"Não se pode maternar sem sustentação. Não se pode maternar sem fusão emocional. Não se pode maternar sem buscar o próprio destino."
Laura Gutman, terapeuta argentina

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Marcela e Samadhi e o parto desassistido

No último dia 28/6, às 13h35 aconteceu um milagre, na Arca Verde, ante aos meus olhos. Mais um novo ser humano deu seu primeiro grito no mundo louco que conhecemos. Mais uma jovem mulher se tornou mãe e nasceu também um pai. E um sol apareceu para trazer alento ao inverno gelado. Os ciclos da vida-morte-vida seguem seu curso,  todos os dias.

Um milagre aconteceu: mais um bebê chegou cheio de luz!
Na Páscoa, quando chegaram Marcela e Miná, muito grávidos e curiosos, eu perguntei a ela quem ia acompanhá-la no parto. “Vamos fazer só nós dois”, ela respondeu com uma tranqüilidade incomum. Após uns dias de convivência, eles manifestaram a idéia de fazer uma experiência comunitária conosco. E decidiram que este era o melhor ninho possível para o bebê nascer.  
As semanas se passaram cheias de conversas e informações.  O pré-natal (no sistema público) mostrava tudo bem, os medos do futuro  puderam expressar-se e dissiparem-se. Mas Marcela, apesar ou talvez justamente por sua tão pouca idade (21 anos!), parecia cada vez mais serena.  Achei que eles estavam certos de que o bebê ia demorar mais do que o previsto, pois não via sequer roupinhas, fraldas ou cueiros, a barriga estava relativamente pequena e a própria Marcela dizia ter nascido com passadas 42 semanas de gestação. Mas não deixei de reparar no divertimento do casal quando limpava e reformava uma velha tina para servir de banheira, ensaiando posições para o parto. Eles agradeceram  e anotaram os contatos de obstetras e parteiras humanizados (apresentei-os inclusive a minha própria equipe de parto domiciliar em um evento do grupo Nascer Sorrindo Caxias). Ainda assim, nas 39 semanas, o casal confirmou a todos que tinha certeza de que o parto seria assim, em casa e sob sua total responsabilidade.  Se eu quisesse, teria prazer em me ter como doula, consciente do papel da acompanhante do parto.  E assim foi, um dia antes de completar 40 semanas. E tudo correu melhor do que eu poderia imaginar.     
Claro que Marcela não foi a primeira mulher que conheci – além de outras histórias que já escutei e li – que aptou pelo parto desassistido (sem médico ou parteira). Uma delas – que já tinha passado dos 40 anos quando teve a primeira filha das duas que pariu sozinha -  dizia para outra amiga grávida na ocasião: “Parto não tem mistério, não, gente. Leia o Parto Ativo (livro de Janet Balaskas) e pronto, não precisa tanta coisa.” Mesmo assim, eu pessoalmente não faria, e não recomendo a todos, especialmente quando não tem a mais absoluta segurança desta opção. Acredito na magia e beleza da atuação da parteira experiente quando conectada com sua missão. É uma transferência do conhecimento antigo das mulheres, da anciã para a jovem que aprende vivenciando e poderá transmitir esta arte àquelas que vierem depois. Um verdadeiro hino de amor à Mulher Selvagem.
 Porém, não deixei de emocionar-me com a conexão de Marcela com seu próprio corpo, ciente de cada etapa do trabalho de parto e nos primeiros momento com o bebê. Me chamou pelas 9 da manhã, após a madrugada de contrações quando recebeu acupuntura e massagem chinesa do companheiro terapeuta. Na banheira por um longo período, ainda falamos com calma sobre a possibilidade de um plano B (o carro estava preparado, bem como o telefone do médico na mão). Deixei claro que estaria ao lado dela de qualquer maneira. Ela apenas sorriu e segurou minha mão. As contrações foram tornando-se mais intensas e me mantive sempre muito segura, como se meu instinto também estivesse aguçado para saber que posição sugerir, onde tocar, o que oferecer. Perto do período expulsivo, ela foi ao banheiro sozinha com o marido, e na volta, preferiu ficar na cama um pouco. Foi quando me disse que estava sentindo abrir e que tinha vontade de empurrar. Começaram aqueles gritos ancestrais – de dor-medo- libertação-poder, tudo junto - que conhecemos tão bem e  apenas por um momento  questionei se realmente eles eram o perfil de casal para este tipo de parto. Respirei fundo e procurei me concentrar no momento presente. Olhei pelo espelho quando ela garantiu que estava sentindo a cabeça descer. E a vi. Chorei de emoção.

Trabalho de parto de Marcela, comigo e o marido Miná:
Samahi chegando mesmo!

Marcela ficou em pé e acocorada aos pés da cama e preparamos as toalhas e fraldinhas.  Le chegou neste momento, com o almoço, e pedi pra ele tomar a câmera. Segurei Marcela  por baixo dos braços e a ergui um pouco (sem pensar muito tecnicamente, mas seguindo meu instinto) para  bebê ter espaço para passar. Foi amparado pelas mãos do pai, ativo e corado e no instante seguinte já dava os primeiros chorinhos no peito da mãe. Quando ele passou, em uma só contração, já pude vislumbrar de relance: “Um menino!” (era surpresa), quando Marcela dizia suas boas-vindas: “Meu bebê!”. Nascido na mesma casa e quase no memso lugar que em novembro de 2009 nascia outro bebê: Davi, filho da Anita e Samuca, outro parto, outro milagre que tive a graça de acompanhar.

A banheira, a tesoura, o almoço e o fogão a lenha:
 parto como antigamente 
Na cama, Marcela aspirou com a boca o líquido do nariz do pequeno Samadhi. Ninguém disse a ela o que fazer, ela simplesmente fez.  Miná cortou o cordão depois de nascida a placenta, com minha tesoura de tricô (presente da amiga alemã Petra), fervida como antigamente. Logo Miguel entrou e deu as boas vindas do reino das crianças, chamando o pequeno pelo nome (na Yoga, Samadhi é o estado de perfeita união com Deus).  A paz reinou o tempo todo na casa pequena e despreparada e ainda nos inebria, passada uma semana. O bebê, que pesou 2,8kg, já parece maior e está mamando cada dia mais, o umbigo já cicatrizou. Pra mim, outro renascimento, como doula, mãe e Mulher (quem sabe um dia aprendiz de parteira).  Acendi uma velinha em Gratidão ao Universo – que afinal, permitiu que tudo corresse bem, pedindo saúde para nova família e  a dádiva de que mais e mais crianças possam vir ao mundo com tanta luz e simplicidade.